Em Pauta
O gigante acordou: chegou a hora de mudar o Brasil
Fabrício Nogueira
Uma série de manifestações tomou as ruas do Brasil no mês de junho. As passeatas, que começaram em São Paulo e Rio de Janeiro, exigindo a revogação do aumento das tarifas do transporte público, tomaram proporções gigantescas e se alastraram por todo o país, colocando em pauta uma série de outras reivindicações, desde a melhoria dos serviços públicos, como saúde e educação, até o fim da corrupção.
Para Janice Caiafa, professora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, o fato de o estopim ter sido a questão dos transportes foi muito interessante, pois esse tema tão crucial evocou outros. Ela ressaltou a vitória do movimento com a sustação dos aumentos e frisou que, mesmo que tudo parecesse adormecido, a população estava muito atenta à série de absurdos que vinham ocorrendo, além do descaso com os serviços públicos.
Caiafa, que é autora de livros como Trilhos da cidade: viajar no metrô do Rio de Janeiro e Jornadas urbanas, que abordam a questão do transporte público na cidade do Rio de Janeiro, questiona o modelo privado e concentrador que esses transportes coletivos realizam nas nossas cidades. Conforme indicam suas pesquisas, no contexto das ambições e dos imperativos de negócio, o serviço prestado é frequentemente preterido, dificultando a prática de uma tarifa módica. Uma tarifa social, então, seria impensável.
Mestre em Antropologia Social, Janice lembra que é obrigação do Estado fornecer transporte com boas condições de viagem, consistente, regular e com tarifas módicas. Para isso, ela defende o investimento no metrô, que seria o verdadeiro transporte de massa. “Nas cidades do mundo em que o pensamento do transporte evoluiu, investe-se no metrô e o ônibus vem alimentar suas linhas. Muitas vezes, a população pensa no metrô como transporte de elite, e com razão, afinal a tarifa é muito cara”, assinala.
Outro ponto comentado pela professora, pós-doutora em Antropologia pela Cornell University dos Estados Unidos, foi a preparação para os grandes eventos esportivos dos quais o Brasil será sede. “As pessoas mostraram que estão conscientes no que diz respeito aos megaeventos como a Copa do Mundo, em razão dos quais as cidades estão se tornando verdadeiros canteiros voltados para o grande negócio. Além disso, estão acontecendo inúmeras desapropriações. Quando o povo percebeu isso, formulou uma linguagem e a levou para as ruas, junto com o próprio corpo.”
Caiafa lembrou também da luta contra a PEC-37, proposta de emenda à Constituição que visava limitar o poder de investigação criminal apenas às policias federal e civil, subtraindo a capacidade do Ministério Público. Devido à intensa pressão popular contra o projeto, a PEC-37 foi massacrada em votação na Câmara dos Deputados, recebendo 430 votos contrários. Apenas nove deputados votaram a favor e dois se abstiveram.
A partir dessa conquista, iniciaram-se outras batalhas contra, por exemplo, a “Cura Gay”, o projeto de lei de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO) que determina o fim da proibição, pelo Conselho Federal de Psicologia, de tratamentos que se propõem a tratar a homossexualidade. O projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara no dia 18 de junho e será votado pelo Plenário da Câmara no dia 2 de julho.
Sobre a correria que toma conta do Congresso Nacional, promovendo sessões para votar inúmeros projetos que ficaram parados por anos, como o que transforma a corrupção em crime hediondo, a professora advertiu que, quando os políticos trabalham, não sendo contra o povo, conseguem fazer alguma coisa, mas alertou que, agora, estão agindo sob pressão. “Os políticos ficavam tão confortáveis cometendo esses atos tão ofensivos, tão inadmissíveis, e agora a população mostra que está contra isso e exige o fim da corrupção”, declara.
Janice afirmou que essas manifestações são diferentes das outras, porque aparecem sem estar codificadas pelos tradicionais instrumentos de reivindicação, como os sindicatos ou partidos políticos. “Alguns dizem que as ideias do movimento são vagas, mas a mim não parecem. São questões bem precisas, que apenas não estão codificadas nessa linguagem mais oficial, não estão passando por esses filtros tradicionais. É uma energia mais dispersa, mas essa dispersão não quer dizer que as questões são obscuras”, analisa.
Segundo a antropóloga, existe certa dificuldade em distinguir os verdadeiros manifestantes e os vândalos. “Eu vejo como dois fenômenos diferentes: o movimento com as suas reivindicações e sua intensidade e esses oportunistas que aproveitaram a ocasião, inclusive não costumam levar nenhum cartaz e até cobrem o rosto. Estes queimariam os ônibus, assustariam os passageiros e quebrariam as lojas da mesma forma.”
Para coibir o vandalismo, a professora destaca que é fundamental a ação de uma polícia inteligente, organizada e bem preparada para distinguir esses dois fenômenos. De acordo com a também pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o que se espera da polícia é que proteja os ônibus e as pessoas contra aqueles que estão destruindo tudo.