UFRJ Plural - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Saúde e bem-estar

Aumenta o número de mulheres que usam hormônios masculinos
Natália Oliveira

Ilustração: Rodolfo Gomes

No decorrer da história, mesmo sendo a beleza carregada de subjetividade, foram construídos diversos discursos em torno do corpo humano em geral, principalmente o feminino. Desde as musas “cheinhas” de Da Vinci, até as modelos supermagras, buscou-se instituir um modelo a ser almejado pelas mulheres. Hoje, século 21, uma nova estética emerge das academias e das pistas esportivas, dando à mulher mais curvas e um abdome sarado. O problema desses moldes é que, na maioria das vezes, eles levam ao exagero e é isso que tem preocupado endocrinologistas e fisiologistas, já que uma pesquisa publicada em 2009 na revista Current Opinion in Endocrinology Diabetes e Obesity comprova o aumento no número de mulheres usando hormônios masculinos, geralmente sem o acompanhamento profissional.

A estética é essencialmente um conceito visual, mas que pode ser entendido como um conjunto de ideias que formam uma opinião. A partir desse conceito, especialistas concluem que a grande mídia é uma das responsáveis, ou a principal responsável, pela implantação desses padrões e também pelo agravamento dos danos causados por eles. Quando se pensa nas “cheinhas” ou nas “supermagras”, fica a sensação de que a imersão da mulher no espaço fitness pode ser considerado o modelo menos prejudicial à saúde feminina.

Segundo a endocrinologista e professora da UFRJ, doutora Flávia Lúcia Conceição, é claro que a prática de atividade física associada ao consumo de uma dieta saudável é o ideal para, inclusive, prevenir doenças como diabetes mellitus, hipertensão arterial e até osteoporose. Porém, até a prática de atividade física quando em excesso pode causar problemas à saúde. “Mulheres que praticam atividade física muito intensa por várias horas ao dia podem ter alterações, como a parada da menstruação”, alerta.

Musculação deixou de ser uma atividade exclusivamente masculina e as mulheres, muitas vezes, são maioria nas academias. É como se as mulheres estivessem cansadas da imagem passiva de sexo frágil que lhes foi imposta desde a Antiguidade, e tentassem invadir o último espaço supostamente masculino: o da força. “Porém, o nível de hipertrofia muscular feminino é muito inferior ao masculino. Graças à testosterona, o homem acaba tendo maior facilidade de adquirir massa magra e  tendo uma recuperação muscular mais rápida, o que facilita o desempenho desportivo. Com isso, muitas mulheres acabam recorrendo à prática de atividades excessivas e o uso de esteroides”, analisa a médica.

A professora continua explicando que esteroides são hormônios masculinos, usados como anabolizantes para substituir a testosterona, em pequena quantidade no organismo feminino. “A testosterona possui dois efeitos: androgênico e anabólico. O primeiro é responsável pelas características sexuais masculinas, pelos, mudança de voz, agressividade; já o segundo é responsável pelo aumento da massa muscular, aumento da velocidade de recuperação do músculo, controle de gordura corporal. O que acontece é que o esteroide é feito para ter um efeito anabólico muito maior que o androgênico, entretanto não existe nenhum 100% anabólico. Assim, os danos causados nas mulheres são mais perceptíveis, pois ocorre a masculinização do corpo feminino e o acúmulo de gordura abdominal”.

Médicos afirmam que os efeitos negativos dessa prática vão além das mudanças fisiológicas, podendo causar câncer e levar à morte. “O chamado esteroide é hormônio masculino, que na mulher pode causar acne, aumento de pelos, queda de cabelos, aumento do clitóris, voz grossa, um quadro de masculinização. Além disso, seu uso induz alterações menstruais com eventual parada da menstruação. Com relação ao câncer, existe a possibilidade de aumento do risco de câncer de mama e, com o uso de alguns esteroides orais, também tumores de fígado”,  afirma Flávia.

A endocrinologista constata que existem dois tipos de usuárias: “aquelas que utilizam para melhorar performance em esportes (doping) e outras na procura do que acreditam ser o corpo ideal “, e explica que a maioria utiliza sem prescrição médica e não admitem o uso. Além dos problemas de saúde e estéticos, o uso de anabolizantes causa problemas psicológicos, como o aumento da agressividade, variações de humor, distração, podendo levar à depressão e, consequentemente, causando a dependência.

A doutora realça que existem casos em que os esteroides são usados por médicos como medicamentos. “As mulheres produzem quantidades pequenas de androgênios que são importantes principalmente para manutenção da libido (desejo sexual). Em mulheres com redução da produção de androgênio e redução de libido pode-se tentar a reposição em doses baixas.” Todavia, esses casos são exceções e não contribuem significativamente para o aumento da estatística.

Após o uso dessas substâncias, são necessários meses para que elas saiam do organismo e muitos dos efeitos negativos são irreversíveis. A recomendação é que aquelas que já usaram e pararam mantenham uma atividade física e uma dieta saudável, as que são usuárias parem o mais rápido possível e quem pensa em experimentar procure outras alternativas. Segundo a professora, deve-se tomar cuidado com o consumo em excesso de proteínas para evitar complicações renais.

“A musculação é uma atividade física importante tanto para as mulheres como para os homens. Ela induz aumento de massa e força muscular. Com isso, nas pessoas idosas, reduz o risco de quedas e fraturas e sua prática reduz o risco de osteoporose”, acrescenta.

O importante é ressaltar que por mais “bombada” que a mulher queira ser ou seja levada a querer ser, o fato de ela ter menos testosterona e, por isso, ter maior dificuldade de produzir massa magra, não significa que com uma rotina de treinos, uma dieta saudável e com a ajuda de profissionais ela não possa ter um corpo bonito e desenvolvido sem prejudicar sua saúde.