UFRJ Plural - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Entrevista

O Rio de Janeiro sobreviverá sem os royalties do petróleo?
Coryntho Baldez

Foto: William Santos

A possibilidade de perder volumosos recursos derivados dos royalties do petróleo tirou o sono dos governadores dos estados produtores. O veto da presidente Dilma Rousseff ao projeto de redistribuição de recursos de contratos já assinados para a exploração do pré-sal impediu que o Rio perdesse R$ 100 bilhões, segundo dados oficiais.

Como há uma previsão de que as reservas de petróleo acabem em 50 anos, o Rio deve começar a pensar estratégias de diversificação do seu parque produtivo, na avaliação do economista Mauro Osório, professor da graduação e do mestrado na Faculdade de Direito da UFRJ. "Precisamos começar a diversificar agora, quando ainda vivemos a era do petróleo", sentencia.

Nesta entrevista ao UFRJ Plural, ele ressalta que o estado tem dificuldade de elaborar estratégias de desenvolvimento regionais, como já acontece em Minas Gerais e São Paulo. Essa lacuna abriria espaço para lobbies que defendem interesses privados e que não são, necessariamente, os da população. 

Ampliar a reflexão sobre o Rio de Janeiro é absolutamente decisivo e a UFRJ pode ter um importante papel nesse debate, segundo Osório, que é doutor pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ e coordena o Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro, vinculado ao mestrado da Faculdade de Direito.

UFRJ Plural - A possibilidade de aprovação do artigo que reduziria em cerca de R$ 100 bilhões, nos próximos anos, o repasse de royalties de petróleo aos estados produtores causou extrema preocupação ao governo do estado. O Rio de Janeiro, hoje, depende de fato dos royalties para sobreviver?

Mauro Osório - Os royalties têm uma participação significativa na arrecadação do Rio. Se não houvesse o veto, as próprias despesas de custeio seriam reduzidas e o estado teria que cortar na carne. Algo importante é que a extração de petróleo não gera ICMS na origem, mas no destino. Então o Rio não arrecada ICMS com a extração de petróleo, que é uma atividade importante. Os royalties, na verdade, acabam sendo uma compensação.

UFRJ Plural - Isso significa que existe algum tipo de compensação para outros estados. Existem outras contrapartidas distributivas?

Mauro Osório - Sim. Uma delas se relaciona ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Uma das suas variáveis é a riqueza da região. A extração de petróleo eleva o PIB do estado do Rio de Janeiro, levando-o a ter uma participação menor no Fundo, já que ele tem esse sentido redistributivo. Portanto, estados do Nordeste que estão chiando já são contemplados também dessa forma. Isso significa que se os royalties fossem subtraídos ocorreria, de fato, uma injustiça do ponto de vista federativo, independentemente de quem esteja no governo. Essa não é a questão.

UFRJ Plural - E qual a sua avaliação a respeito da acusação de que o Rio de Janeiro já teria uma alta carga tributária, um dos argumentos para justificar a redistribuição dos royalties?

Mauro Osório - O Banco Mundial soltou, no início do século XXI, um documento que afirmava que o Rio de Janeiro teria a maior carga tributária entre as unidades federativas. Depois, o Instituto de Pesquisa e Análise Social, o Ipea, também divulgou um estudo apontando o Distrito Federal e o Rio de Janeiro como detentores das maiores cargas tributárias do país. Acredito que esses dois trabalhos tenham incorrido em algum equívoco. Quando olhamos dados da receita tributária em relação ao PIB, o Rio de Janeiro está na vigésima primeira posição. Mas aqueles trabalhos geraram a memória de que o estado do Rio de Janeiro teria uma posição privilegiada. Isso gerou um caldo de cultura que levou ao absurdo dessa proposta de redistribuir os royalties dos estados produtores.

UFRJ Plural - Existe também a crítica de que algumas cidades recebem um volume alto de recursos de royalties e os aplicam muito mal. Como evitar que isso aconteça? 

Mauro Osório - Os municípios que recebem royalties no Rio de Janeiro são exceção. São três ou quatro que têm uma receita pública per capita elevada e que, via de regra, gastam mal esse dinheiro. Mas essa não é a regra. Por exemplo, na região Sudeste, entre os 20 municípios mais bem aquinhoados, apenas quatro são do Rio de Janeiro. E um deles é Porto Real, que tem uma receita derivada da indústria automobilística, que não tem relação com os royalties do petróleo. Os demais estão em São Paulo e Minas Gerais. O ponto é que não existe uma situação de privilégio de receita pública no Rio de Janeiro. E sofreríamos uma enorme injustiça do ponto de vista federativo caso entrasse em vigor a regra para a distribuição dos royalties que os outros estados estão propondo. Também existe na mídia um discurso hegemônico que demoniza o poder público, o Estado. Isso leva a população a não se preocupar com essa questão porque esses recursos serão, inevitavelmente, mal aplicados. Mas é preciso combater essa ideia e reafirmar a importância dos royalties e da necessidade de fiscalizar a sua aplicação. 

UFRJ Plural - Na sua avaliação, o governo teria que cortar na carne com a redução do repasse dos royalties. Que fatores levaram o estado do Rio a ficar com uma economia tão dependente dos recursos do petróleo? 

Mauro Osório - Na verdade, a principal fonte de arrecadação do governo do estado é o ICMS. Mas essa dependência dos royalties tem a ver com o fato de a cobrança do ICMS não acontecer na origem, e sim no destino. E também porque o Rio de Janeiro passou por uma crise econômica e social extremamente grave. Minas Gerais, por exemplo, passou o Rio em receita de ICMS em 2004. Éramos o segundo na arrecadação desse imposto, e hoje estamos em terceiro lugar. O estado sofreu uma decadência econômica grande. Perdeu peso de participação no PIB em relação a outras unidades federativas, e com uma estrutura produtiva que podemos chamar de oca. Por exemplo, 40% da nossa indústria da transformação são refino de petróleo e siderurgia. Isso também fez com que ficássemos com uma base de arrecadação baixa.

UFRJ Plural - Antes de falarmos em como dinamizar o parque produtivo do estado, pode comentar sobre os fatores históricos que produziram a crise no estado?

Mauro Osório - Existem três fatores. O primeiro é a transferência da capital. Como mostra o professor Carlos Lessa, o Rio de Janeiro sempre foi um espaço nacional antes de ser capital. A base militar ficava no Rio. O principal porto brasileiro até o início do século XX era o do Rio de Janeiro. Ou seja, o Rio era um eixo nacional de logística, era centro cultural. Era a referência internacional do Brasil. O Rio se expande nessa trajetória e, quando perde a capital, perde o que tinha impulsionado a cidade nos últimos 220 anos. Em segundo lugar, pela nossa tradição nacional, nunca conseguimos fazer uma reflexão estratégica sobre a questão regional. Até hoje, se olharmos os programas de mestrado e doutorado em economia, não há uma linha permanente de pesquisa sobre o estado do Rio de Janeiro em universidades da Região Metropolitana, como a UFRJ, a UFF, a UFRRJ e a Uerj.

UFRJ Plural - E como essa lacuna se reflete no desenvolvimento do estado?

Mauro Osório - Temos baixa capacidade de pensar estratégias de desenvolvimento regionais. É claro que a macroeconomia nacional sempre é importante, mas as especificidades locais também são. A realidade do Rio de Janeiro é diferente, por exemplo, das realidades de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, que têm reflexões muito mais consistentes. Há uma ausência de estratégia regional de desenvolvimento, abrindo espaço para lobbies que defendem interesses privados e que não são, necessariamente, os da população. Portanto, ampliar a reflexão sobre o Rio de Janeiro é absolutamente decisivo e a UFRJ pode ter um importante papel nesse debate.

UFRJ Plural - E qual o terceiro fator que está na origem da crise? 

Mauro Osório - O terceiro fator é político. Quando ocorreram as cassações políticas promovidas pelo golpe militar, o Rio de Janeiro era o lugar onde havia um amplo debate sobre a questão nacional realizado pelas forças progressistas. A esquerda aqui foi, logo de saída, muito mais atingida do que em qualquer outro estado. Depois, curiosamente, o lacerdismo também foi, porque Carlos Lacerda rompe com os militares. E tínhamos uma lógica local muito clientelista, sob a liderança de Carlos Chagas, que, depois das cassações, passa a dominar as ações políticas locais. Isso acabou desestruturando a política no âmbito regional, fenômeno que atingiu o executivo, o judiciário e o legislativo. 

UFRJ Plural - Essa desestruturação repercute até os dias de hoje?

Mauro Osório - De fato, isso foi gerando um marco institucional, um marco de poder específico do Rio de Janeiro que desestruturou o setor público. Hoje, por exemplo, a Secretaria de Fazenda voltou a fazer concurso público, o que não ocorreria há dez anos. O Detran, que nunca tinha feito concurso, também está realizando o seu. Há 20 anos, o número de engenheiros era em torno de 1.200 e hoje são apenas 400 profissionais, a maioria perto da aposentadoria. Ainda temos uma agenda pesada de restruturação do serviço público.

UFRJ Plural - É uma agenda que deve apontar para uma economia pós-petróleo?

Mauro Osório - Precisamos caminhar nessa direção. Temos que renovar a liderança política no Rio de Janeiro. Quem, hoje, representa o Rio no Congresso Nacional? Precisamos também envolver a universidade no debate regional. A UFRJ tem que pensar o desenvolvimento econômico local e os investimentos industriais e em infraestrutura necessários para isso.
UFRJ Plural - Quais seriam os parâmetros principais para pensar uma estratégia de futuro para o estado?

Mauro Osório - Acho que está mais do que na hora de pensar o Rio de Janeiro, que vem recebendo novos investimentos. Em Duque de Caxias, temos lá o Complexo Gás-Químico Rio Polímeros, mas não se conseguiu atrair a indústria de plásticos. Numa reunião no município, perguntei sobre isso e um representante disse que havia mandado duzentas cartas para os empresários do setor. Esse segmento é importante porque a indústria de plástico consome a matéria-prima que o polo produz. A questão econômica é sempre um encadeamento. É preciso uma âncora, mas ela não gera emprego. Quem gera novos postos de trabalho são as pequenas e microempresas que devem estar articuladas a essa empresa-âncora. 

UFRJ Plural - E quais seriam as áreas prioritárias?

Mauro Osório - O desafio é pensar o Rio mais o petróleo e o Rio além do petróleo. Com o pré-sal e a política de conteúdo nacional do governo federal, haverá um mar de oportunidades em termos de equipamentos. O complexo de petróleo e gás passa pelo parque tecnológico da UFRJ, pela indústria naval, pelo segmento de navipeças, é bastante amplo. E tem muita tecnologia que é híbrida. Por exemplo, do Parque Oceânico da UFRJ, na Coppe, surgiu uma tecnologia para extrair energia das ondas do mar. Ou seja, é uma iniciativa que serve ao mesmo tempo à economia do petróleo e à economia pós-petróleo. Tem uma indústria desse complexo petróleo e gás que está em São Paulo e não vai sair de lá. Mas, pela escala de produção do pré-sal, há uma nova indústria que ainda não está estabelecida no Brasil e podemos atrair para o Rio de Janeiro.

UFRJ Plural - Isso significa que, apesar do crescimento da economia de serviços, a indústria ainda é muito importante?

Mauro Osório - Claro. Mesmo no cenário da terceira revolução tecnológica, a indústria continua sendo importante. Quem mais faz inovação tecnológica ainda é o setor industrial, com os seus efeitos para trás e para a frente, como dizem os economistas. Por isso, tem essa preponderância numa estratégia de desenvolvimento, especialmente numa região. Se ela está sem dinamismo, precisa atrair renda de fora, que tem que passar pela indústria e pelo turismo.

UFRJ Plural - Além do petróleo e gás, que segmentos são estratégicos?

Mauro Osório - Há outro muito importante. É o complexo do turismo, entretenimento, cultura, mídia e esporte. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem o mesmo número de empregos em academias de ginástica que São Paulo. Vai abrigar megaeventos nos próximos anos. Por que não transformar o Rio em capital de esporte da América Latina? Uma das maiores dificuldades que temos é como dar utilidade aos equipamentos construídos para os megaeventos esportivos...

UFRJ Plural - Há um exemplo recente. O governo estadual quer demolir o complexo esportivo do Maracanã, tanto o Parque Aquático Júlio Delamare como o Estádio Célio de Barros, além do Museu do Índio e da Escola Municipal Friedenreich.

Mauro Osório - Primeiro, isso precisa ser bem planejado, e sempre em benefício da população. É claro que isso é importante, mas não é o mais grave. As agendas, mesmo de quem tem uma visão crítica, às vezes são muito pontuais. Por exemplo, o fato de as Olimpíadas serem realizadas hegemonicamente na Zona Oeste, na Barra da Tijuca e no Receio, é muito ruim, porque essa é uma área de expansão da cidade. Como aconteceu em Londres e Barcelona? Os investimentos foram feitos em uma área central degradada. Isso é importante porque a população das metrópoles tende a não crescer mais. Ora, se isso acontece, não é preciso mais expandir a cidade. É necessário adensar e melhorá-la nos locais em que já há infraestrutura e emprego. Esse é um problema mais grave do que a discussão em relação ao Maracanã. Por isso, precisamos de um cardápio completo para dar conta de uma discussão estratégica sobre o futuro do Rio.

UFRJ Plural - E existe algum outro setor importante no Rio que padeça dessa falta de planejamento?

Mauro Osório - Há um terceiro segmento importante, o da saúde. Temos na UFRJ uma respeitável pesquisa sobre saúde, uma incubadora de empresas da área e, além disso, cerca de 12% da indústria farmacêutica se concentram no Rio. A área de cirurgia plástica também atrai muitas pessoas para o Rio. Precisamos criar estratégias para consolidar e desenvolver o setor de saúde no estado. Também existe o segmento da construção civil. Hoje, por exemplo, a relação entre o crédito imobiliário e o PIB é de apenas 4%, baixíssimo frente aos padrões internacionais. Há espaço para a expansão do setor imobiliário, o que vai gerar todo tipo de produção de equipamentos para fretes e moradias, por exemplo. Por fim, precisamos incentivar a chamada economia da Defesa. Temos hoje o estaleiro nuclear da Marinha. É um projeto muito grande que está sendo implantado em Itaguaí e que permitirá intensa transferência de tecnologia. Os órgãos de pesquisa da área militar estão no Rio de Janeiro. Precisamos manter a ampliar a nossa história cosmopolita, pensando em gerar cada vez mais benefícios locais a partir dela.

UFRJ Plural - E em relação à implantação do Parque Tecnológico da UFRJ, qual deve ser a estratégia principal?

Mauro Osório - Acho que devemos ter uma preocupação muito grande com a transferência de tecnologia. Há muitas empresas multinacionais trazendo centros de pesquisa para cá, o que é positivo. Mas precisamos indagar se esses centros estão vindo para absorver ou para integrar tecnologia. Na área de petróleo, com o Cenpes, temos uma tecnologia de ponta, por exemplo. O tempo todo precisamos discutir com muita acuidade quais são as contrapartidas dessas empresas. Vou dar um exemplo: a Microsoft vai ocupar um local histórico no centro da cidade, onde funcionava o Museu do Gás. A Companhia Estadual de Gás (CEG) foi privatizada e não houve nenhuma exigência de se manter o museu, que tem mais de 120 mil documentos e cerca de 4 mil peças valiosíssimas. Agora, a Microsoft vai ocupar aquele prédio histórico e não se sabe para onde vai o Museu do Gás. Não podemos permitir que isso aconteça no Polo da UFRJ. Transferir tecnologia é também transferir capacidade de elaboração de projetos.

UFRJ Plural - E o Rio tem tradição nessa área de elaboração de projetos de Engenharia.

Mauro Osório - Sim. Na exploração do pré-sal, por exemplo, se comprarmos o projeto lá fora, as prioridades de equipamentos serão definidas de acordo com o que é produzido lá fora. Se contratarmos o projeto no Brasil, ele será feito com base no que já é produzido no Brasil. Precisamos das nossas grandes empresas de engenharia para fazer isso. O Rio pode ser um hub de elaboração de projetos de engenharia, em várias áreas. Esse é um nicho importante para o Rio de Janeiro.
UFRJ Plural - É necessário planejar desde já o desenvolvimento desses setores todos?

Mauro Osório - Claro. Precisamos começar a diversificar agora, quando ainda vivemos a era do petróleo. E utilizar o complexo de petróleo e gás para agregar inovações tecnológicas e estruturas produtivas que podem permanecer depois.