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UFRJ repercute questão dos indígenas Guaranis Caiovás

Guilherme Karakida

Ilustração: Caio MonteiroNas últimas semanas, uma carta aberta dos Guaranis Caiovás, grupo indígena que vive no Mato Grosso, repercutiu na sociedade brasileira. Neste último ato de resistência, os indígenas declararam morte coletiva, após receberem a notícia que a Justiça Federal decretou sua expulsão do local. "Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos juízes federais".

Procurado pelo informativo UFRJ Plural, o professor Cesar Gordon, doutor e mestre pelo Museu Nacional da UFRJ, com experiência na área teórica de história, antropologia e etnologia indígena, opinou sobre o assunto.

Perguntado o motivo pelo qual a situação dos índios ainda é pouco divulgada nos grandes veículos de comunicação, embora o caso dos Guaranis Caiovás tenha alcançado maior visibilidade, ele afirmou: "Há uma série de fatores, mas eu começaria dizendo que não é apenas a situação dos índios que é pouco divulgada. É um fenômeno mais geral. Os grandes veículos de comunicação operam dentro de uma lógica do espetáculo. É preciso acontecer algo extraordinário para que o assunto ganhe destaque. Com a questão indígena não é diferente".

Política de governo

Além disso, o professor critica o atual governo por não ter uma política indigenista. "Houve um abandono quase completo dessa questão. Os índios não são prioridade. Isso se reflete também nos grandes veículos de comunicação, que estão, muitas vezes, atrelados às pautas governamentais".

Sobre a demarcação de terras indígenas, que a Constituição de 1988 assegura ser feita pelo Estado no prazo de cinco anos, o professor explica, contudo, que o maior problema não seria isso, e sim a gestão do território e a garantia de direitos. Segundo ele, não adianta demarcar a terra se não houver controle sobre invasões, por exemplo. "Não adianta demarcar se não houver um planejamento de utilização dos recursos naturais, pois a tendência é que as comunidades indígenas cresçam. Não adianta demarcar sem pensar em formas de assistência básica, como serviços de saúde e educação adequados às necessidades indígenas", afirma.

Suicídio

Questionado sobre a omissão do Governo Federal em relação ao alto índice de suicídio dos Guaranis Caiovás, cerca de 87,97 por 100 mil, ele mencionou que o governo é omisso também em outros pontos, destacando o problema da violência. "O Brasil é um país com níveis recordes de homicídios no mundo. As tragédias aqui são anunciadas diante da inação e da irresponsabilidade geral. Elas até causam comoção momentânea, as pessoas emocionam-se, indignam-se, mas é como se estivessem assistindo à novela. Logo, a maioria se esquece do assunto e tudo prossegue do mesmo jeito, enquanto aguardamos a próxima tragédia anunciada."

A população, em geral, apresenta o senso comum de acreditar que os índios são totalmente desprovidos de assistência, que são atormentados pelo alcoolismo e pela falta de acesso à saúde e à educação. O docente esclarece que essa visão, no entanto, não corresponde à realidade, que as sociedades indígenas não vivem todas nessa situação de penúria e desalento. Segundo ele, o primeiro passo para resolver os problemas é reconhecer as diferentes situações regionais e históricas. O segundo passo é fazer cumprir as leis. E, além disso, é preciso reconhecer aos índios o direito de governar sua própria vida e decidir seu futuro. "Temos que parar de tentar decidir tudo por eles", sugere.

Por fim, Gordon comenta que a compreensão dos índios ainda é confusa e contraditória, após ser indagado sobre as razões pelas quais o preconceito de ver o índio como atrasado persiste na sociedade brasileira. "Durante muito tempo, os brasileiros pensaram a respeito dos índios por meio de noções oriundas do evolucionismo e do positivismo progressista. Acreditava-se que os índios viviam em uma espécie de idade da pedra, e que era preciso abandonar o estado 'selvagem' para uma plena assimilação à civilização brasileira. Depois, aparece uma ideia oposta, cujas raízes são o romantismo alemão e sua versão moderna, o culturalismo antropológico."

O professor finaliza a entrevista fazendo um apelo: "Creio que já está mais do que na hora de abandonar nossos velhos esquematismos e dar mais espaço para os índios expressarem suas próprias formulações existenciais".