UFRJ Plural - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Pesquisa

Pesquisador do Ifcs discute relações de trabalho doméstico
Natália Oliveira

Alexandre.Alexandre Fraga

A Editoria de Pesquisa do Boletim UFRJ Plural trata da pesquisa de Alexandre Fraga sobre as relações de trabalho doméstico no Brasil. Fraga é sociólogo, mestre em Sociologia pela UFRJ e doutorando na mesma área pela instituição. O interesse do pesquisador pelo trabalho doméstico surgiu na iniciação científica e ganhou amplitude em sua pesquisa de mestrado de título “De empregada a diarista: novas configurações do trabalho doméstico no Brasil”, que se transformou em um livro, de mesmo nome, publicado em março deste ano. A partir daí, surgiram mais questões, que estão sendo abordadas em sua tese de doutorado, provavelmente intitulada “A dinâmica do serviço doméstico no Brasil: família, estado e mercado”, que vai debater também a PEC das domésticas aprovada recentemente. “Fazer um bom trabalho de iniciação científica é o que vai fazer diferença para uma boa pós-graduação”, afirma o sociólogo, que em 2007 foi considerado o melhor trabalho da jornada de iniciação científica.

Em sua tese de mestrado a grande pergunta a ser respondida por Fraga é: o que mudou nessa ocupação (trabalho doméstico)? Para atingir esse objetivo, Alexandre analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios  (Pnad) durante 20 anos para, a partir daí, perceber os movimentos que aconteceram nessa profissão. “É importante fazer uma análise longitudinal para perceber melhor esses movimentos. Quando se analisam só os dados de 2011, 2010, isso se perde”, afirma o pesquisador. Desta forma, pôde perceber seis mudanças significativas: a diminuição da importância do serviço doméstico remunerado na população feminina ocupada; a escolarização das domésticas; o envelhecimento da categoria; o decréscimo daquelas que vivem no local de trabalho; o aumento da formalização; e o aumento da diarização.

Fraga tomou como base o conceito de trabalhadora doméstica do IBGE. São trabalhadoras que prestam serviço remunerado a uma família, não importando o número de dias em que isso acontece. “É aquela trabalhadora que faz o serviço de reprodução: os afazeres domésticos, cuidados com idosos, crianças, doentes. A que trabalha um, dois, três dias, aquela que tem ou não carteira assinada, não importa. Todas são consideradas trabalhadoras domésticas, inclusive as diaristas. Na pesquisa eu tive que diferenciar para não causar muita confusão”, constata Alexandre.

Trabalhadoras domésticas
Dentre as trabalhadoras domésticas, como definidas anteriormente, existem as mensalistas, que se dividem em residentes e externas, e as diaristas, que na justiça, hoje, não têm uma única legislação que as caracterize. Na jurisprudência, geralmente diarista é aquela que trabalha até duas vezes na semana, mas isso é muito fluido e varia de acordo com o contexto. Podem ser levado em consideração os dias de pagamento, se ela recebe toda vez que vai trabalhar ou no final do mês; se ela faz tudo na casa ou um serviço específico; se os dias de trabalho são fixos, rígidos, ou se ela pode escolher que dia da semana vai trabalhar; se ela presta serviço em duas casas ou uma casa só. Tudo isso caracteriza se ela está, ou não, na CLT.

Com a PEC a diferença entre diaristas e mensalistas ficou ainda mais clara, porque com o acréscimo de direitos, se evidenciou essa heterogeneidade. Antes, a diferenciação que existia entre as trabalhadoras domésticas era de função: sou cozinheira, sou babá, sou passadeira. Hoje há uma distinção do ponto de vista legal. São criados dois grupos diferentes dentro da mesma categoria. “Ainda hoje as empregadas domésticas são maioria, constituindo 70% da categoria. Mas, se formos analisar os 20 anos, podemos perceber que as diaristas passaram de menos de um quinto, para 30%”, acrescenta Fraga.

“Todos fazem seus cálculos”, afirma o sociólogo do trabalho. Aquelas que optam por trabalharem como diaristas fizeram um balanço e perceberam que aquilo seria melhor para elas, seja pelo salário maior, seja pela maior quantidade de tempo disponível para cuidar da sua casa ou ter outras fontes de renda. O maior problema desse grupo é em relação à aposentadoria. Sobre isso o pesquisador comentou que “É importante que sejam realizadas campanhas para conscientizá-las de que, como trabalhadoras autônomas, devem fazer sua contribuição como tais, para que possam ter aposentadoria na velhice, quando não puderem mais exercer a ocupação”.

O Brasil é o país do mundo que apresenta o maior valor absoluto de trabalhadoras domésticas, 7,2 milhões, segundo pesquisa realizada em 2010 e publicada no início do ano, que analisou 116 países. Em valores relativos, o país tem 17% das mulheres trabalhando na categoria, o que continua sendo um valor alto, porém não o maior em relação aos demais. O país que apresenta menor percentual tem apenas 0,1% de mulheres trabalhando como domésticas.

Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado na população feminina ocupada
Hoje, as filhas das domésticas não estão mais reproduzindo essa condição, como ocorria no passado. “Podia ser doméstica a bisavó, a avó, a mãe, mas hoje em dia um mercado que está levando muito a filha das domésticas é o telemarketing”, conta. Cada vez menos as mulheres brasileiras são trabalhadoras domésticas. O comércio apareceu como ocupação que oferece mais direitos, principalmente antes da PEC, e uma jornada de trabalho mais reduzida, o que possibilita que muitas dessas filhas de domésticas possam trabalhar de dia e utilizar o dinheiro do salário para fazer faculdade de noite, podendo, assim, ter outra profissão.

Escolarização das domésticas em duas décadas
Essa mudança, que tem total ligação com a anterior, é um processo que aconteceu na sociedade em geral, não sendo exclusividade das domésticas.

Envelhecimento da categoria
Este movimento parece óbvio depois de constatados os dois primeiros. Jovens mais escolarizadas acabam dando preferência a outras profissões. Não está ocorrendo reposição”, constata o sociólogo.

Decréscimo do grupo que vive em locais de trabalho
O decréscimo do grupo de mensalistas residentes se deve a dois fatores: o crescimento das diaristas e o enrijecimento da legislação. Hoje, o número de domésticas que reside no local de trabalho representa apenas 6% da categoria.

Aumento da formalização
Com a implementação da PEC, muitas famílias de classe média estão optando por abandonar as domésticas e contratar mais de uma diarista. “O que complicou para a classe média foi a jornada de trabalho definida, muitos teriam que pagar hora extra”, acredita o sociólogo. Essa estratégia pode dar certo, mas apenas se as famílias não tiverem idosos, doentes, ou filhos pequenos em casa. Para esses, será mais difícil fugir das mensalistas.

Ao mesmo tempo em que há um aumento no número de diaristas, há um aumento no número de domésticas com carteira assinada e uma redução no número de trabalhadoras sem esse direito. Ou seja, um dado que parece contraditório constata a maior formalização da categoria e uma discrepância entre mensalistas e diaristas. “Em nível de Brasil, eu pude perceber que em um futuro, embora um pouco distante, nós viveremos uma polarização cada vez maior da ocupação. Essa heterogeneidade que vemos hoje tende a diminuir e as famílias vão poder escolher entre dois polos, o que a meu ver é muito mais saudável para ambas as partes”, declara.

Aumento das diaristas
Esse movimento é o foco da pesquisa de Alexandre Fraga. Ele busca entender o por quê dessa diarização e conclui que houve uma redução tanto na demanda das famílias por empregadas domésticas mensalistas, quanto a diminuição também da oferta por parte das domésticas. Isso se deve a diversos fatores, dentre eles à família brasileira está cada vez menor, muitas até unipessoais. “As pessoas começam a se perguntar: será que eu preciso mesmo de um serviço mensal? De todo dia ter alguém na minha casa fazendo tudo para mim?”, relata. Outro fator que interfere é a mudança de hábitos dessa família. Hoje a mulher está no mercado, as pessoas vivem um dia a dia muito corrido, comem fora de casa, os filhos estudam ou estão no mercado.

Para chegar a essa conclusão, o pesquisador analisou alguns pontos de vista. Do jurídico, considerou a trajetória legal dessa ocupação e a jurisprudência desses casos, ou seja, como os juízes costumam decidir nos casos das domésticas. Avaliou também as tramitações da lei das diaristas que, por hora, variam muito. Outra análise feita por Fraga foi do ponto de vista estatístico, que avaliou qual dos dois grupos recebe o melhor salário, quem trabalha mais, quais as diferenças socioeconômicas, dentre outras comparações. A terceira estratégia usada por ele para chegar às suas conclusões foi a realização de entrevistas com as trabalhadoras.

Fraga, em sua pesquisa, foi contra uma tese da USP que colocava as trabalhadoras mensais e diaristas em polos opostos. Segundo essa teoria, a diarista é um polo mais racional, mais impessoal, com menos relações patriarcais. A empregada teria uma relação mais afetiva. Mas na verdade esses polos não existem.  “A diarista ganha presente, a patroa sabe quanto ela calça, o perfume que ela gosta. Ela também pode querer fazer parte da família. O mesmo acontece ao contrário. Esses limites não são bem assim”, exemplifica. De fato, a diarista traz a possibilidade de uma relação mais distante, impessoal, muitas nem estão na casa ao mesmo tempo que os patrões, que trabalham fora.

Livro

O livro de mesmo título que a dissertação, De empregada a diarista: novas configurações do trabalho doméstico no Brasil, Editora Multifoco, foi lançado em um momento propício, na semana de aprovação da PEC, e foi um sucesso, acarretando a Fraga uma série de entrevistas para a imprensa. Segundo ele, foram feitas poucas adaptações da dissertação para o livro. “O que eu fiz mesmo foram atualizações de dados, principalmente em relação às leis. As conclusões, as metodologias, tudo está bem na íntegra.”

Alexandre já pensa na possibilidade da segunda edição, que retrataria as mudanças pós PEC.

Tese
Fraga está no terceiro ano de sua tese de doutorado, que teve como gancho uma questão que ficou da pesquisa de mestrado: “o Brasil é o maior empregador de domésticas. O que explica isso? O que explica as variações do número de trabalhadoras domésticas entre países?”

Já existiam duas justificativas, uma segundo adeptos da modernização que diz que o motivo está no desenvolvimento econômico. Quanto mais desenvolvido é o país, mais essa categoria será absorvida por setores como o da indústria, do comércio. Isso explica, mas deixa dúvida, já que os EUA têm decretado um aumento dessa ocupação, mesmo sendo o país mais desenvolvido.

Outra explicação é baseada na desigualdade social. Quanto maior a discrepância entre as classes, maior o número de trabalhadores domésticos. Isso cobre o caso dos EUA, que apesar de desenvolvido, apresenta uma enorme desigualdade de renda. Porém, sozinho, esse motivo também não se sustenta, pois existem países de desigualdade igual a zero, que tem uma taxa de trabalho doméstico elevado.

“O peso maior deve ser colocado nas relações que se desenvolveram em cada país para resolver socialmente a relação entre o sistema produtivo e reprodutivo”, constata o sociólogo.

Três atores
Para explicar melhor o que seriam esses sistemas, Alexandre exemplifica: “Nós estamos aqui porque nossa roupa está limpa, nós nos alimentamos de alguma forma, a nossa casa está resolvida. Ou seja, nós só podemos ir bem no setor produtivo quando a gente tem um reprodutivo resolvido”. O reprodutivo seriam os afazeres domésticos e o produtivo o trabalho, a obtenção de renda. Para que essa articulação funcione, existem três atores: família, Estado e mercado.
No caso da família, existem três formas de resolver isso. Antigamente e em algumas famílias mais tradicionais, a mulher fica com os afazeres domésticos e o homem trabalha fora. Outra opção é ambos fazerem as duas funções e a terceira, e mais comum no Brasil, consiste em delegar a alguém, a função reprodutiva, no caso às domésticas. “Assim, se livra o homem e a mulher, e a reprodução está garantida”, cita. Esse sistema familiar foi majoritário no Japão, por exemplo.

O Estado também deve apoiar essa articulação por meio da disponibilização de creches públicas de qualidade e de serviços de auxílio, como no cuidado com os idosos. Esse modelo foi majoritário na França.

Já nos EUA o modelo adotado foi o do mercado. “Com moedas é possível lavar sua roupa na esquina, pode comer na rua, ou pedir em casa”, relata.

Brasil
No Brasil o modelo majoritário foi o do mercado doméstico. ”Isso procede de um processo histórico de absorção da mão de obra provinda da escravidão e que agora em 2013, com a PEC, chega a ser uma ocupação como qualquer outra”, explica.
Quando um dos atores sai de cena, o problema não desaparece e outro precisa suprir: “No Brasil, se o mercado das trabalhadoras domésticas diminui, o mercado falou: olha a demanda para a gente agarrar”. Ocorreu então um boom de lava-louças, de empresas de lava-roupas, de serviços de alimentação.

Em alguns países, existe um quarto ator, a sociedade civil, com a criação de ONGs, por exemplo. “Não foquei nisso, porque não vejo isso muito no Brasil”, justifica.

Além disso, ele traçou um perfil da família brasileira que tem empregadas domésticas e verificou que as próprias trabalhadoras contratam outras para trabalharem em suas casas. “O que me chamou muito a atenção foi saber como as domésticas resolvem essa articulação entre produção e reprodução. Quando elas deixam seus filhos com vizinhos, amigos que supervisionem, eles não vão se matar, mas também, na maioria das vezes,não são incentivados intelectualmente. A sociedade perde com isso. Afinal, não são apenas os filhos das empregadas domésticas, são brasileiros, nossos companheiros de nação.”

“O brasileiro deveria pensar essa PEC, porque não faz sentido uma profissão não ter regulamentação. Meu objetivo principal da tese está sendo pensar como chegamos nessa PEC, o por quê de acontecer agora e o que muda no Brasil após a implantação da legislação”, finaliza Alexandre Fraga.